domingo, abril 17, 2005

C. E. - Inconstitucional ?

Continuo a debruçar-me sobre o Código da Estrada e, a propósito da nova competência do DGV e restantes funcionários de decidirem sobre a pena acessória de inibição de condução a aplicar aos condutores no caso de infracções graves e muito graves. Foi ou não excedida a autorização legislativa ? A competência estava atribuida aos Tribunais. Agora passa para funcionários. Ora esse tipo de alteração cabe na reserva relativa de competência da Assembleia da República. O que quer dizer que o Governo só poderá legislar sobre essa matéria se a A.R. lhe der autorização. E, na autorização que foi dada, não consigo descortinar a autorização para essa alteração de competências.

Constituição
Artigo 165º

(Reserva relativa de competência legislativa)
1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
c) Definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal;
d) Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo;
p) Organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados, bem como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos;
2. As leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada.
3. As autorizações legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez, sem prejuízo da sua execução parcelada.
4. As autorizações caducam com a demissão do Governo a que tiverem sido concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução da Assembleia da República.


Lei 53 de 2004 de 4 de Novembro

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea d) do artigo 161º da Constituição, o seguinte:

Artigo 3º
Extensão

A autorização referida no artigo 1º contempla:
g) A qualificação como contra-ordenações de todas as infracções rodoviárias e a aplicação do regime contra-ordenacional previsto no Código da Estrada a todas elas;
z) A previsão da possibilidade de a entidade administrativa alterar, após a decisão, o modo de cumprimento da sanção acessória;
bb) A inadmissibilidade do recurso de decisões judiciais proferidas em sede de impugnação judicial de decisões administrativas;
cc) A previsão de recurso da decisão do director-geral de Viação que determine a cassação do título de condução, com efeito meramente devolutivo e apenas até à Relação;

CE (DL 44 de 2005 de 23 de Fevereiro)
TÍTULO VIII - Do processo
CAPÍTULO I - Competência
Artigo 169
º Competência para o processamento e aplicação das coimas
1 - O processamento das contra-ordenações rodoviárias compete à Direcção-Geral de Viação.
2 - Tem competência para aplicação das coimas correspondentes às contra-ordenações leves e às coimas e sanções acessórias correspondentes às contra-ordenações graves, o Director-Geral de Viação, que poderá delegá-la nos Directores Regionais de Viação.
3 - Têm competência para aplicação das coimas e sanções acessórias correspondentes às contra-ordenações muito graves as entidades designadas pelo Ministro da Administração Interna.
4 - O Director-Geral de Viação tem competência exclusiva, sem poder de delegação, para determinar da cassação do título de condução, nos termos previstos no presente diploma.
5 - Os Directores Regionais de Viação a quem tenha sido delegada a competência prevista no n.º 2 podem subdelegá-la, nos termos gerais, nos dirigentes de grau hierarquicamente inferior e, ainda, nos coordenadores das contra-ordenações.
6 - Compete aos serviços regionais da Direcção-Geral de Viação ou, nos distritos em que existam, às respectivas delegações distritais, a instrução dos processos de contra-ordenação, devendo solicitar, quando necessário, a colaboração das autoridades policiais, bem como de outras autoridades ou serviços públicos.

C. E. - as multas e o pagamento imediato

Já ouvi, sobre o tema do pagamento imediato e/ou depósito e consequências do não pagamento os mais dispares disparates. Incluso que em não pagando voluntariamente nem efectuando o depósito caução os documentos seriam apreendidos (até aqui não há duvidas) substituídos por guias que caducariam ao fim de quinze dias, findos os quais o condutor ficaria impedido de conduzir por falta de documentação. Ora, eu não leio isso. O que leio é que as guias se renovam até ao terminus do processo. O que quer dizer que a famosa obrigatoriedade de pagar imediatamente só vale para quem fizer muita questão de andar com os documentos já que as guias os substituem para todos os efeitos, até ao fim do processo e, assim como assim mais vale andar sempre e só com guias. Os documentos só são apreendidos uma vez, não há apreensão de guias.
Estarei a ver mal ?

Artigo 173º Garantia de cumprimento

1 - O pagamento voluntário da coima deve ser efectuado no acto da verificação da contra-ordenação.
2 - Se o infractor não pretender efectuar o pagamento voluntário imediato da coima, deve prestar depósito, também imediatamente, de valor igual ao mínimo da coima prevista para a contra-ordenação praticada.
3 - O depósito referido no número anterior destina-se a garantir o cumprimento da coima em que o infractor possa vir a ser condenado, sendo devolvido se não houver lugar a condenação.
4 - Se o pagamento ou depósito não forem efectuados de imediato, nos termos do Nº 1 e Nº 2, devem ser apreendidos provisoriamente os seguintes documentos:
a) Se a sanção respeitar ao condutor, o título de condução;
b) Se a sanção respeitar ao titular do documento de identificação do veículo, o título de identificação do veículo e o título de registo de propriedade;
c) Se a sanção respeitar ao condutor e ele for, simultaneamente, titular do documento de identificação do veículo, todos os documentos referidos nas alíneas anteriores.

5 - No caso previsto no número anterior, devem ser emitidas guias de substituição dos documentos apreendidos, com validade pelo tempo julgado necessário e renovável até à conclusão do processo, devendo os mesmos ser devolvidos ao infractor se entretanto for efectuado o pagamento nos termos do artigo anterior.
6 - No caso de ser prestado depósito e não ser apresentada defesa, dentro do prazo estipulado para o efeito, considera-se que o depósito efectuado se converte automaticamente em pagamento.

domingo, abril 03, 2005

Férias Judiciais em causa


Todos os portugueses e, mormente, os operadores judiciários ficaram a saber da intenção do Governo de encurtar as férias judiciais como forma de ajudar à agilização da Justiça e as reacções têm-se pautado pela cautela. A ideia parece agradar ao povo, que julga realmente que advogados, magistrados e funcionários gozam dois meses de férias no Verão e mais algumas durante o ano, noção que ainda não vi ninguém contradizer em termos simples.
Pois bem, não é assim. Os advogados, como liberais, têm as férias que bem entendem, o que quer dizer, poucas. Nada de dois meses, bem entendido, quinze dias já não será mau uma vez que, como reza o brocardo "quem não trabuca, não manduca". Funcionários e magistrados têm, de lei, como os restantes portugueses, 22 dias, mais uns quantos por conta da antiguidade, com uma particularidade - só podem gozá-las durante os períodos das férias judiciais. Mas então que férias são essas e o que se passa nesses períodos mágicos ? Simplesmente isto: não têm lugar diligências judiciais (julgamentos e outras) e não se contam prazos judiciais, a não ser em processos considerados pela lei como urgentes (e ainda são bastantes).
Quanto aos prazos, como os únicos que os respeitam são os advogados, apenas estes lhes sentem a diferença. E os magistrados, que fazem sem julgamentos ? Simples... tudo. Como cada um tem milhares de processos, impossíveis de decidir em tempo útil, o tempo de Verão é aproveitado para o que realmente devem fazer - decidir (estudar os casos e aplicar-lhes o Direito). Os funcionários ocupam-se a tentar recuperar o tempo em que não foi possível por o serviço em dia. Tudo isto em esforço que nunca tem sucesso absoluto.
A alteração proposta não é vista pela generalidade como negativa mas obrigará a imensas alterações legais, nomeadamente toda a forma de gestão do trabalho, os estatutos de funcionários e magistrados, a gestão de pessoal, de agendas, de turnos, e sobrecarregará Agosto como o mês em que o país pára. Trará alguma coisa de bom ? O tempo o dirá.