sexta-feira, julho 22, 2005

Porcarias

Nos termos do § 3º do artigo 102º do Código Comercial a taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, isto é, a taxa de juros que as empresas cobram pelos atrasos nos pagamentos das suas clientes, é fixada por Portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças. Assim, ao longo de mais de vinte anos essa taxa tem variado a espaços dilatados (de vários anos). Dos 15% de 1980 aos 23% de 1983, aos 15% de 1995 e finalmente aos 12% a partir de 1999. Em 2004, a 31 de Agosto foi publicada uma Portaria, a n.º 1105/2004, que veio alterar esta lógica de mais ou menos estabilidade estipulando que essa taxa passava a ser a taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efectuada antes do 1º dia de Janeiro ou de Julho, consoante se esteja, respectivamente, no 1º ou no 2º semestre do ano civil, acrescida de 7 pontos percentuais, a ser divulgada, no Diário da República, IIª série, por aviso da Direcção-Geral do Tesouro, até aos dias 15 de Janeiro e 15 de Julho de cada ano. A taxa passou a variar de seis em seis meses. Publicada na 2ª Série do Diário da República desde logo advogados e Juízes consideraram estar mal publicada, devendo sê-lo na 1ª Série conforme é de regra para esse tipo de actos. Reclamações em uníssono de nada serviram e, em conformidade, foram publicados os Aviso DGT 10097/04, e Desp. DGT 310/05 que alteraram as taxas para 9,01% e 9,09%, respectivamente. Estas alterações, como está bem de se ver, implicam trabalhos redobrados a quem calcula os juros por forma a cobrá-los mas, adiante, já estamos habituados.

Esperava-se a publicação do novo aviso quando, por Declaração (a nº 59/2005) do Secretário Geral da INCM, datada de 3.Mar.2005, publicada em 6.Jul.2005, se soube que «Dado ter sido publicada incorrectamente no Diário da República, 2.ª série, n.º 244, de 16 de Outubro de 2004, a p. 15 246, a Portaria n.º 1105/2004 (2.ª série), declara-se que tal publicação deverá ser considerada sem efeito». Sem mais.

Sem efeito a primeira Portaria, sem efeito os avisos decorrentes e, sem outra instrução legal, só se pode concluir pela reposição da taxa dos 12%. Atónitos todos os operadores judiciais (e os Clientes) assistiram ao vazio legal. Conformados, voltaram a fazer as contas e a interpor as acções com base nos novos cálculos e a vida seguiu o seu rumo.

Eis senão quando, é publicada em 19.Jul.2005, a Portaria nº 597/2005 que veio repor tudo conforme a Portaria dada sem efeito e os avisos posteriores, reportando os seus efeitos a 1.Out.2004. Dir-me-ão que está tudo bem e reposta a legalidade. Eu digo-vos que, tanto do ponto de vista prático como do legal está errado. Errado porque lança mão de algo quanto a que alimento as maiores dúvidas, a retroactividade da Lei. Errado porque não podemos negar o hiato legal de 15 dias em que a vida não parou e a Lei vigente foi outra e no decurso dos quais comunicações, notificações, citações foram feitas. Acções judiciais foram interpostas que devem ser rectificadas, exigências foram dirigidas que devem ser retractadas.

Não se trata de uma Portaria mas antes de uma porcaria e, embora já nos vamos habituando, pergunto: havia necessidade ?