24-Jul-2009
JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS - «O Governo sabia que era possível beneficiar, modernizar, adequar a Boa Hora, assim como era possível criar uma cidade judiciária, planeada de A a Z para receber tribunais, Procuradoria, Polícias e demais adjacências. Só que o Governo não quis. (...) Porque sucede isto tudo? Por falta de respeito pelo Judiciário. Por falta de respeito pela tradição. Para certas mentes que se acantonaram no Governo os juízes são funcionários, os Advogados uma corporação».
Porque não mudar de um edifício, velho, decadente e degradado, tórrido no Verão e gélido no Inverno, sem elevadores e com pisos de longas escadarias, em que há algumas saletas de julgamento insignificantes em dimensão, para um edifício moderno, de arquitectura contemporânea, numa zona onde se junta o residencial e o comercial, cercado de confortáveis hotéis e sedes de empresas de referência, onde se podem ouvir concertos de rock, verem-se peixes em aquários e onde os viciados podem arriscar uns euros no tapete verde de um casino?
Respondo: porque em cima do velho pode edificar-se o contemporâneo, salvaguardando-se a patine e a traça, e pode conseguir-se facilmente o bem estar dos elevadores, do ar condicionado e do dimensionamento adequado das salas sem desproporcionados custos.
Querem a prova? Estava previsto transformar a Boa-Hora em hotel de charme com o que isso significava de facilidades de acesso e de conforto. Ora se era possível gerar luxo ali era possível garantir pelo menos uma decência digna.
Mais: o Governo sabia que era possível beneficiar, modernizar, adequar a Boa Hora, assim como era possível criar uma cidade judiciária, planeada de A a Z para receber tribunais, Procuradoria, Polícias e demais adjacências.
Só que o Governo não quis. Fez como fez há uns anos quando instalou os DIAPS no Edifício 3M, na Conde Redondo de colorida e atrevida frequência nocturna, de onde foram enxotados por uma vil acção de despejo, acantonando-os depois, mais os TICS nas vergonhosas, indignas e insalubres instalações da Gomes Freire e da Casal Ribeiro. Fez como fez quando instalou os juízos criminais nos contraplacados manhosos e miseráveis da Pinheiro Chagas. Lembro-me ainda do TIC no 4º andar da sede da PJ, lembro-me de ter denunciado em que medida isso traduzia um aviltamento e um apoucamento. Vivíamos o tempo da outra senhora. No tempo deste senhor estamos na mesma.
Porque sucede isto tudo? Porque se perde a Boa-Hora? Porque se começa desde já a vislumbrar o acotovelar na exiguidade, a promiscuidade, a falta de condições de privacidade, o anteparo que possibilite a autoridade mostrar-se digna.
Por falta de respeito pelo Judiciário. Por falta de respeito pela tradição.
Para certas mentes que se acantonaram no Governo os juízes são funcionários, os Advogados uma corporação. Entre um juiz e um director-geral, nem hesitam. E entre um juiz e um presidente de uma empresa pública, nem há hesitação alguma. Há paquetes destas em melhores salas do que as que calham a magistrados judiciais.
A ideia de que o Património Cultural e arquitectónico pode e deve ser preservado é, por outro lado, uma ideia do Governo para que se persigam os cidadãos empreendedores com pareceres, aprovações, despachos de concordância, e se permitam autorizações, embargos, remoções, demolições para que sobre uma parede em ruínas de duvidosa origem e questionável valor. Mas não é uma ideia a que o Governo se sinta vinculado. Há expoentes máximos da nossa singularidade cultural que caem ao abandono e são património público!
Daí que a Boa Hora é até cair de podre, como quase está, daí que estar tudo agora na EXPO como se fosse a única forma de melhorar, daí que tudo isto já é, na mente de certos membros da governação, um luxo na base do qual ainda há os que se queixam, ingratos.
Sentindo os magistrados como funcionários, as instalações como mera intendência, julgam esses senhores que quanto pior estiver a imagem da Justiça melhor estará a imagem dos políticos. Como estão tão tristemente enganados.
No tempo do autoritário Doutor Salazar, fanático do poder do Governo e da autoridade do Estado, faziam-se Palácios de Justiça. Na dita democracia de um proclamado Estado Direito encaixotam-se os Tribunais. É o tempo da gaiola, o tempo da gaiola aberta.
JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS | FLASH 20 DO CDL OA | 24.07.2009